terça-feira, 10 de abril de 2012

A privada-esfinge

Dia desses, de cérebro geléia e neurônios disléxicos em resseca sistêmica e reflexiva, adentrei subitamente ao meu aposento sanitário. Não sei, senhores, se já passaram pela experiência de ter um elefante com patins nas quatro patas dentro de seu aparelho digestivo. Se já, entenderão com maestria a tormenta que me acometia naquela fática manhã de segunda-feira. Golfada emitida, sentei-me ao chão, e num momento apoteótico de pós-coma-alcoólico, fiquei a observar a maldita reminiscência gástrica da noite anterior, tentando lembrar quem era esta energúmena que vos escreve. A verdade é que o cérebro de um ébrio funciona em movimentos lentos e descompassados, e a fita magnética de sua cachola já não tem a capacidade de reter imagens que sejam suficientes satisfatórias para se encaixarem na categoria memória. E para esses pobres indigentes, a máxima, ‘diga-me com quem andas e te direis quem és’, não lhes cabe, visto que nunca lembram por onde andam, quanto mais com quem andam...
E de repente, ali, sentado na minha privada, estava um gordo elefante verde, com olhos irônicos, encarando-me e dizendo, “Sabia que existe várias formas de suicídio? Uns cortam os pulsos, outros dão tiros na cabeça, ou jogam-se na linha do trem. Métodos diversos, modalidades com morte paga à vista ou a prazo, bem ao gosto do cliente. E, entre tantas técnicas, tem o método etílico, que, a meu ver, tem o melhor custo benefício do mercado, porque além de ser pago em longas prestações, a juros módicos, você ainda ganha de graça, traços de esquizofrenia compulsiva. É mesmo uma ótima escolha, Srta.” (Será que vomitei esse maldito paquiderme? Ou saiu da lata de massa tomates vencida? Mas eu não compro massa de tomate, porra!). “Escuta aqui, sabichão, e que direito você tem de entrar em meu banheiro e me dar conselhos desnecessários nesse seu tom de ironia machadiana?? Ah, vá para um SPA, porque, não sei se você sabe, mas obesidade mórbida também mata e, a meu ver, você já tem um acúmulo muito significativo de células adiposas nessa sua pança aí...”  E com aquela cara de lata amassada, o balofo se levantou e saiu espremidamente pela porta.
Meus caros leitores à toa, como todo indivíduo, antes de enlouquecer de vez, tem um lampejo de lucidez, olhando para minha privada amiga de todas as manhãs, senti um arrepio na consciência diante da pressuposta esquizofrenia, cogitando a insanidade daquele momento.  E, então, em anseio por respostas freudianas, em voz empostada de cantor de bolero, perguntei esquizofrenicamente: 'Banheiro, banheiro meu, estou eu enlouquecendo???'. Minha privada, muito elitista-pseudo-intelectual-junguiana, respondeu com voz de arnaldo-jabor:

"Decifra-me ou devoro-te".

Em ódio contemplativo, vinguei-me da dita-cuja, observando placidamente, meu golfo-etílico descer-lhe goela abaixo, privada dos infernos...

 [Vanessa Bandinni]

sábado, 10 de dezembro de 2011

Amor a primeira descarga!

          De bar em bar... Eis o meu lema de hoje vertido ao sempre.
          A coragem que dispomos é 99,9% etílica acompanhada por qualquer cigarro... Afinal, o que conta é a potente ação da nicotina na massa encefálica – ferrando conseguintemente o pulmão. Bem, não cabe agora “Dráuzio varelar”. Depois de uma longa caminhada, com aquele all star desgraçado que você comprou um número menor que seu pé, pois se deixou levar pela opinião tendenciosa e maléfica do vendedor, encontra finalmente um bar aparentemente bacana. Certo, estão tocando Paula Fernandes ou qualquer coisa que te leva a pensar: “Caralho, o que estou fazendo aqui?”, no entanto, nada é 100%. Nem mesmo a coragem embriagada.
          Mas você engole... Está aí o motivo da embriagues: Paula Fernandes, “festa estranha com gente esquisita”, excesso de conversa em que as palavras soam como zunidos, e vontade de urinar! Ah, e essa vontade que não passa! Então, desce mais uma loirita escoltada de um “bombeirinho” lindo ao lado. Que casal: A loira e o ruivo (repleto de fiapos de limão enroscando no dente). O processo do estourar bexiga não se concretiza. “Mais uma, por favor!”. E nossos queridos garçons colaboradores te entregam com uma máscara de quem chupou o limão do seu bombeirinho, enquanto os donos abrem o sorriso do Silvio Santos (o dinheiro vem aí, olê olê olá)... Mas e o xixi? “Segura aí bexiga companheira.”. Quantas rodadas passaram...
          Então, em determinado momento, Deja Vu parece Janis Joplin. Seu órgão cúmplice pedindo arrego e você negando-lhe o direito de se aliviar. “sempre cabe mais líquido... Segura a onda bexiguita.”. Mas ela está mal humorada hoje. Não há mais o que fazer... “Vou ao banheiro!”.
          “Veja só... O pessoal está a fim de encher o caneco mesmo... Olha o tamanho da fila!”. Mero engano, você acaba de se deparar com a fila do sanitário! Bexiga filha da puta! A sádica desgraçadamente resolve se vingar dos maus tratos exatamente na fila... O que fazer? Sobra cruzar as pernas fechando o canal de saída da urina. “Porque a maldita da Paula Fernandes não cala a boca?”. Seu órgão dançando sertanejo universitário (grande traidor), e ainda há cinco pessoas em sua frente, provavelmente traídos do mesmo modo que você. Daí então, o destino, mais sádico que o próprio Marquês de Sade resolve aprontar uma de suas peripécias. A pessoa da frente vira e decide iniciar um diálogo amistoso. A urina invadiu o cérebro, mas jamais passará o nível de álcool atuante no mesmo. Eis o momento: Você de repente se deixa encarnar por Clarice Lispector, e libera em frases soltas, sem conectividade nenhuma, pérolas igualmente soltas. Fala sobre a efemeridade da vida, o fragmento dos instantes, o amor pueril dos animais e até chega a recitar um trecho do poema “O corvo”, de Edgar Allan Poe. Clarice se debate no túmulo e não percebemos por conta da bebedeira.
          Duas pessoas na fila ainda! (a antepenúltima resolveu que defecaria e aumentou a agonia bêbada)... Mas, ao menos o papo continua... Nada é notado, porém inconscientemente você está flertando. Conversa desinteressada alinhando um interesse interpessoal. “Uau... Falamos sobre amor inato!”. Pronto, retomou a palavra amor e momentaneamente sente que se apaixonou. “A bexiga que se dane, prefiro urinar na calça a perder você.”. Pior do que pensava: ENLOUQUECEU DE VEZ!
 Finalmente sua vez de usar o sanitário. Segue tranqüilo, pois sabe que o alvo de sua repentina paixão também está apertado e não sairá dali enquanto não fizer o mesmo que primariamente te levou a fila.
          Entrada triunfal. “Cinto da porra!”. Abaixa desesperadamente as calças, e inicia seu trabalho de literato: Lê despretensiosamente poemas banheirísticos, números de telefones com legendas tipo “Samara travesti, pica doce de 23 cm, bumbum maravilhoso. Faço anal e um boquete inesquecível”. Sorrisinho de lado, e nojo pela quantidade de papéis dispostos no espaço do tão querido sanitário. Inicia-se a reflexão, pois parte do álcool foi embora com a descarga. “O que eu faço? Deixo passar? Acho que ficarei no banheiro para sempre!”. Mentira. Você está louca para sair e beijar deliciosa e vagarosamente. Neste vai e não vai a fila aumenta e por livre e espontânea pressão você sai. A pessoa é a próxima e te pede que espere. Não sabe ao certo por que, mas espera. Dois seres saindo pela tangente... Caminho rumo a uma casa não sua... “minha breja está acabando... Ai, não posso ficar sóbria...”, contudo fica. Caminham a sala, e sua timidez aperta. Quem diria você tímida assim! Rosto ruborizado, queimando de vergonha... Vontade de virar avestruz e esconder a cabeça em um buraco (não que eles façam isso). O desenrolar é natural e pronto: Docilidade, “timing”, e para finalizar um orgasmo exuberante. Tudo em um misto de memória olfativa e sensorial. “Nossa! Inesquecível!”.
          Ir embora é difícil, desgarrar mais ainda... A vontade de um “foda-se” para o cotidiano te invade... No entanto, vontade não concretizada...
Você volta para seu lar e uma série de enganos sucede... O desejo do “foda-se” se converte para o “me fodí”. Mas tentamos... E a última tentativa dá-se por sms, no sanitário de seu lar. “Porra... Que se foda tudo!”.
Fatídico e cabal instante: Uma grandiosa descarga e que vá tudo para o esgoto... Amores a primeira descarga são deliciosas surpresas do acaso, mas no giratório descer da água, o límpido transparece.
          Sentimento de “no rien de rien, no je ne regrette rien”.
 Resta saber que valeu enquanto submergiu.
                                
                                                                                              Beatriz Alighieri

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Ode ao Sanitário

Revistas suficientemente revisitadas, jogadas no cesto de roupa suja... Ao lado das obras de Sartre e Schopenhauer, que você leu a primeira página, jogou neste mesmo cesto e filosofou sentado no vaso sanitário sobre um existencialismo substancial... Nem ao menos sabe dizer se entendeu corretamente o paradigma existencial ou se o substancial ornava com a primeira reflexão.
No entanto, no banheiro tudo vira filosofia... Desde matutar sobre o porquê de cocoamido e lanolina nos rótulos do xampu até ouvir “All By Myself” no seu mp3 player, chorando horrores por desperdiçar suas oportunidades amorosas... Ou então, porque acredita (e sabe) que esta sim é uma música incrivelmente brega e você igualmente brega por ouvi-la.
O Banheiro é um lugar mágico, onde surtamos incessantemente. Cantamos no chuveiro com o condicionador de microfone, choramos frente ao espelho para ver como fica a cara, criamos historinhas em que somos os protagonistas da mesma, sentamos na privada para defecar pensando: “O que eu vou fazer da minha vida, meu Deus!”... Lá somos reis, lá somos iguais... E no final, antes de sair dali, damos uma descarga em tudo e temos como último, o som da água imunda escoando...
Sanitário: O ideal para ensandecer... Sanitário: Renovação!
Sejamos insanos no sanitário... Libere-se em uma insanidade sanitária.
 (Beatriz Alighieri)